A
Puglia excede qualquer expectativa, especialmente em se tratando de seus
vinhos.
Uma
estreita faixa de terra aproximadamente 400km de comprimento, a Puglia estende-se
desde um pouco acima do esporão no tornozelo até a ponta do calcanhar da bota.
É uma terra de praias sem fim, vastos bosques de antigas oliveiras retorcidas, pitorescas
aldeias de pedra, praticamente nenhuma água na superfície (embora haja muitos rios
subterrâneos, grutas e cavernas que eles criam), e, claro, vinhedos em
abundância – estes se espalham desde Castel del Monte, no centro, até Salento,
no extremo sul, onde são prensados entre o Mar Adriático a leste e pelo Mar
Jônico a oeste, uma situação que dá verdadeiro sentido à frase "Entre Deux
Mers" (Entre Dois Mares).
A
maioria do mundo do vinho tomou conhecimento da importância da Puglia quando
grandes produtores de outras regiões (Antinori
e a Zonin) começaram a investir na região,
comprando grandes extensões de vinhedos e cultivando castas internacionais. Antes
disso, a Puglia teve alguns vinhos de classe mundial, como o Cosimo Taurino Patriglione, o Vallone Graticciaia, e alguns dos
vinhos de Leone de Castris, mas a maioria era conhecido pela produção a granel
para envio ao norte da Itália e França para dar cor e corpo a vinhos de baixa
qualidade.
Hora de Repensar
Os
vinhos a granel estão perdendo a importância na Puglia e as castas
internacionais são agora apenas uma camada fina do total produzido. A maioria
dos vinhos da região vêm de castas nativas, cultivadas em pequenas propriedades
familiares ou de médio porte - adegas como Apollonio, Fatalone, L'Astore,
Pietraventosa
e Tarantini - embora até mesmo os produtores
de outras regiões ali instalados, inlcuindo os acima mencionados, estão agora
se concentrando mais e mais em variedades da própria região.
A
maioria dessas variedades são desconhecidas para os amantes do vinho para além
das fronteiras italianas, e muitas são pouco conhecidas até mesmo para os
italianos que vivem além da própria Puglia. A maioria dos consumidores já ouviu
falar de algumas, embora possam associar os nomes com outras regiões –
Aglianico, Aleatico, Montepulciano, Negroamaro, e, claro, Primitivo. Mas e
sobre a Uva di Troia, Susumaniello, Bombino Nero, Malvasia Nera, Pampanuto e
Ottavianello? Todas essas são cultivadas em grandes quantidades em inúmeras zonas
vitícolas da Puglia, originando cada vez mais vinhos de primeira classe, quer
sejam varietais ou cortes. No caso dos cortes, também são feitos a partir das
castas nativas, apenas raramente empregando variedades internacionais.
Grande Potencial
Trata-se
de todo um universo alternativo de vinho que vale a pena explorar. A Puglia é a
terceira maior região produtora de vinho da Itália, depois do Veneto e
Emilia-Romagna. Incluindo a Sicília, estas são as quatro regiões responsáveis
por 60% da produção de vinho italiano.
Luigi
Rubino, enólogo e presidente do consórcio que patrocina a Puglia Wine Identity, afirma: “52% da produção de vinho da Puglia é agora vinho DOC. Em primeiro lugar, a Puglia é uma terra de grandes tintos -
pode-se mesmo dizer que é a região com o maior potencial para os vinhos tintos
da Itália”.
A
principal fonte desse potencial encontra-se em três grandes variedades tintas -
Primitivo, Uva di Troia e Negroamaro. Esta última é uma variedade antiga, supostamente
introduzida há cerca de 2.500 anos pelos colonos gregos no que era então um
sertão selvagem da Magna Grécia. A Negroamaro se adaptou bem ao calor e aridez
desta terra queimada pelo sol. Embora sistemas mais modernos de condução de
videira tenham sido introduzidos, a grande maioria dos produtores sérios mantêm
o antigo sistema conhecido como Alborello,
a 'pequena árvore' de vinhas de pé livre, plantada no centro de um círculo com
um raio de cerca de um metro entre cada videira (ver foto). Podadas
relativamente curtas, o manejo é manual em cada etapa, desde a poda no inverno até
a colheita no outono. Menosprezado na maior parte do mundo do vinho, o Alborello se adapta perfeitamente ao
clima da Puglia: as vinhas fazem sombra para as uvas durante os dias quentes,
e, pelo fato das podas serem baixas, as uvas também se beneficiam do calor
armazenado na terra à noite, quando as temperaturas podem cair muito
drasticamente.
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Sistema de condução Alborello |
As Três Grandes
Cultivada
desta forma, a Negroamaro produz um
vinho de caráter paradoxal: frutas negras, quase doces na parte da frente da
boca, seco no meio e terminando com um agradável e intrigante amargor. Os
vinhos dos melhores produtores envelhecem muito bem, suavizando um pouco e
adquirindo profundidade e complexidade - muito minerais e com notas terrosas, à
medida que o terroir começa a se mostrar. São vinhos substanciais, feitos para
acompanhar carnes assadas e queijos fortes.
A
Uva di Troia conta uma história
diferente. Enquanto a Negroamaro é a uva do sul da Puglia, a Uva di Troia se
destaca ao norte, em torno do Castel del Monte, embora produtores de toda a
Puglia estejam fazendo testes em campos que consideram adequados. Por causa de
seu nome, há muita especulação sobre a antiguidade da variedade. A especulação
é alimentada pela existência na região da Puglia de uma pequena cidade chamada
Troia, uma vez que o lugar reivindica sua origem a partir de Diomedes, um dos
heróis da guerra de Tróia. Em muitos aspectos, a história grega e a pré-história
figuram na Puglia de forma mais importante do que a romana.
Seja
qual for a sua origem, a Uva di Troia difere completamente da Negroamaro. Dá origem a vinhos de corpo médio, com teor de álcool mais baixo (13 a
13,5% é usual). Com seu caráter frutado distinto que remete a cerejas, além de
elegância, estes vinhos parecem voltados para envolver paladares moldados por
vinhos do norte da Europa. Produtores e jornalistas concordam que os vinhos elaborados com a Uva di
Troia devem ter um caminho fácil para a aceitação do consumidor.
E
depois há a Primitivo. Outra uva do
sul, onde muitas vezes amadurece antes das demais castas e pode ser colhida
primeiro (daí o seu nome: 'a primeira'), a Primitivo parece ter chegado na
Puglia mais recentemente que a Uva di Troia ou a Negroamaro, vindo da Croácia. Como
a maioria dos amantes do vinho já sabe, a Croácia também é supostamente a
origem de Zinfandel da Califórnia, e as duas variedades estão relacionadas. Mas
a Primitivo da Puglia definitivamente não é a californiana Zinfandel. Pode ser exuberantemente
frutada de forma que, inicialmente, se pareça com a Zinfandel, mas a melhor
Primitivo oferece mais do que frutas no palato, e termina seca e com agradável
final de framboesa, de maneira que faz você querer mais.
O
maior problema da Primitivo reside no altíssimo teor de açúcar, e nem todo ele
é transformado em álcool. 15% de álcool é comum em vinhos Primitivo, e já se
tornou frequente encontrá-los com níveis de 16% e até 17%, muitas vezes com
quantidades substanciais de açúcar residual (em torno de 2%).
As duas faces da
Primitivo
Naturalmente,
diferentes produtores apresentaram distintas versões de Primitivo, com a nítida
distinção entre o que parece ousado e o que prima pela contenção e elegância. É
uma simplificação, mas não uma completa distorção, dizer que essas duas
tendências foram incorporadas em duas zonas: Primitivo di Manduria geralmente
favorece a tendência exuberante-esmagadora, enquanto a Primitivo de Gioia del
Colle prefere secura completa, elegância e contenção. A Primitivo de Salento, uma
zona mais ampla do que qualquer uma das duas que acabamos de mencionar,
apresenta um quadro misto, mas mais frequentemente favorece o estilo Manduria
exuberante.
Finalmente,
a Puglia reserva um novo concorrente entre a suas uvas tintas, a Susumaniello. Na época em que a Puglia foi
especializada em vinhos a granel, as vinhas de Susumaniello acabaram perdendo
espaço pela simples razão de não produzirem em grandes quantidades. Agora que o
foco da Puglia mudou de quantidade para a qualidade, a Susumaniello torna-se atraente.
Ela tem boa acidez e taninos relativamente macios, fruta muito agradável e
distinta - destacando a cereja, como Uva di Troia, mas diferente no sabor. É moderada
no açúcar, resultando em vinhos com cerca de 13 a 13,5% de álcool. No geral, é
uma uva de grande potencial, e cada vez mais produtores estão investindo.
Mas
isso poderia ser dito de todas as quatro uvas tintas e, provavelmente, de várias
outras também. Por exemplo, Bombino Nero
é usada quase exclusivamente para fazer rosato,
mas parece ter possibilidades para além disso. Malvasia Nera é quase sempre utilizada em cortes, como casta minoritária
do blend, mas também promete ir além
deste papel limitado.
Para
complementar e enriquecer este post, o qual é uma adaptação e tradução livre de
uma matéria da edição especial da revista Decanter (2013) dedicada à Itália, nós
do Idas e Vinhas escolhemos 7 vinhos de diferentes produtores para degustar. Todos
estão disponíveis no mercado brasileiro.
Vamos a eles?
Femar Vini -
Primitivo di Puglia Epicuro Rosato 2012
Cor
cereja. No nariz os aromas são razoavelmente intensos e persistentes. Com notas
doces de morangos, cerejas e rosas. Frutado e de médio corpo em boca, faltando
um pouco de acidez. De boa persistência aromática e fim de boca adocicado.
Nota
IV: 83
O rótulo
Vinho: Primitivo
di Puglia Epicuro Rosato
Produtor: Femar Vini
Casta: 100% Primitivo
Safra: 2012
País: Itália
Região: Puglia
Graduação: 11%
Importadora: Vinci
R$68,47
Afinamento por 3 meses em grandes barris de carvalho
esloveno.
Cor
vermelho rubi com reflexos violáceos. No nariz os aromas são intensos e
persistentes. Com notas de frutas negras maduras (ameixas e cerejas) e um leve
defumado. Em boca é encorpado, com acidez equilibrada e taninos marcantes. Fim
de boca de muito boa persistência.
Nota
IV: 87
O rótulo
Vinho: Forte Canto Primitivo Salento IGT
Produtor: Apollonio
Casta: 100% Primitivo
Safra: 2010
País: Itália
Região: Salento, Puglia
Graduação: 14%
Importadora: Grand Cru
R$50
Afinamento durante 12 meses em carvalho americano e mais 12 meses em
garrafa na adega.
Cor vermelho rubi com reflexos violáceos. No nariz os aromas são
muito intensos e persistentes. Com notas de frutas vermelhas em compota
(framboesas, cassis e cerejas), de especiarias (baunilha e canela), café,
chocolate, coco queimado e madeira. Em boca é encorpado e macio, com taninos
equilibrados e o doce das frutas e a madeira estão presentes. Fim de boca muito
persistente e agradável, que convida a uma nova taça.
Nota
IV: 89
O rótulo
Vinho: Rocca dei Mori Briacò Primitivo Salento IGT
Produtor: Apollonio
Casta: 100% Primitivo
Safra: 2007
País: Itália
Região: Salento, Puglia
Graduação: 14%
Importadora: Grand Cru
R$67,50
Afinamento por 3 meses em grandes barris de carvalho
esloveno.
Cor
vermelho rubi. No nariz apresentou boa intensidade e persistência de aromas.
Com notas de ameixas maduras, chocolate, terra e cogumelos. Em boca é de médio
corpo, com boa acidez e taninos equilibrados. Fim de boca frutado e de muito
boa persistência.
Nota
IV: 86
O rótulo
Vinho: Forte Canto Salice Salento DOP Puglia
Produtor: Apollonio
Casta: 80% Negroamaro e 20% Malvasia Nera
Safra: 2011
País: Itália
Região: Salento, Puglia
Graduação: 13%
Importadora: Grand Cru
R$50
Afinamento por 6 meses em barris de carvalho de 225l.
Cor
vermelho granada. No nariz apresentou boa intensidade e persistência de aromas.
Destaque para as frutas vermelhas maduras (cerejas e framboesas), pimenta do
reino e tabaco. Em boca apresentou médio corpo, com boa acidez e taninos
equilibrados. Fim de boca frutado e de muito boa persistência.
Nota
IV: 87
O rótulo
Vinho: Passamante Salento, Salice Salentino DOC
Produtor: Masseria Li Veli
Casta: 100% Negroamaro
Safra: 2008
País: Itália
Região: Salento, Puglia
Graduação: 13,5%
Importadora: Vinci
R$86,79
Afinamento em carvalho francês durante 6 meses e 6 meses em
garrafa na adega.
Cor
vermelho rubi. No nariz os aromas são intensos e muito persistentes. Em
evidência estão as frutas vermelhas maduras (ameixas, cassis e framboesas),
hortelã, café e chocolate. Em boca apresentou médio corpo, boa acidez e taninos
equilibrados. Fim de boca frutado e de muito boa persistência.
Nota
IV: 89
O rótulo
Vinho: Rocca de Mori Salice Salentino DOP
Produtor: Apollonio
Casta: 80% Negroamaro e 10% Malvasia Nera di Lecce e 10%
Malvasia Nera di Brindist
Safra: 2008
País: Itália
Região: Salento, Puglia
Graduação: 14%
Importadora: Grand Cru
R$70
Afinamento em carvalho francês durante 18 meses e mais
12 meses em garrafa na adega.
Cor
vermelho granada com reflexos alaranjados. No nariz os aromas são bastante
fino, intensos e persistentes. Se destacam figos secos e uva passa, cassis,
tabaco e café. Em boca é encorpado, com boa acidez e taninos ainda vivos. O
sabor dos figos secos e da uva passa também estão presentes. Fim de boca
frutado e muito persistente.
Nota
IV: 86
O rótulo
Vinho: Castel del Monte Riserva Le More DOC
Produtor: Azienda Agricola Santa Lucia
Casta: Uva di Troia
Safra: 2003
País: Itália
Região: Salento, Puglia
Graduação: 14%
Importadora: Vinci
R$109
*
Matéria em tradução livre da edição especial da revista Decanter “Italy 2013
Your essential guide to what’s new and exciting in Italian wine”.
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