Enocuriosos... Perambulando pelo Brasil: Cristofoli Vinhedos e Vinhos Finos

 
Foto de Valdir Ben, gentilmente cedida por Bruna Cristofoli.
Sabe o valor das coisas pequenas? Daquilo que não medimos, que não contabilizamos e que, muitas vezes, na correria e no atropelo das demandas "urgentes" da vida moderna, não percebemos e nem mesmo "valorizamos"? O valor das coisas simples... Do trabalho, da família, da terra, do sustento... Um valor já meio antigo e quase esquecido mas que, no fundo, no fundo, nas nossas reminiscências inconscientes, a maioria de nós, quando em contato com "isso", reconhece e se reconforta...

Na Cristofoli tivemos experiências que fizeram lembrar essa simplicidade das coisas.

Trata-se de uma vinícola muito pequena, fundada e mantida por uma família de tradição e descendência italiana. Está situada na localidade de Faria Lemos (na Rota das Cantinas Históricas), em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. O acesso pode se dar de duas maneiras, ambas por vias que derivam da RS-470. O caminho mais curto (se você vem de Bento) se faz pela Linha Eulália - com um trecho de estrada de terra (mas em bom estado) a partir da Capela da Eulália (à direita). Já o mais bonito (e totalmente pavimentado) se dá pela Linha Paulina (RS-431), que oferece linda vista para o vale sarapintado de parreirais (incluindo um mirante no meio do caminho – o Mirante do Campanário). Visualize o mapa aqui.
 
Em diversos trechos da estrada o visual é assim...
Foto de Valdir Ben, gentilmente cedida por Bruna Cristofoli.
Nossa primeira visita à vinícola foi por acaso, em janeiro de 2014. Estávamos perambulando de carro, "à toa", dando um giro na região antes de descer para Porto Alegre, gastando os instantes que ainda nos restavam ali. Era o nosso último dia de férias e estávamos "apegados", sem querer fazer o caminho de volta (sofríamos, certamente, da "síndrome melancólica de fim de férias" - Alguém aí conhece os sintomas?... Aposto que sim!). Nesse clima de apego e de "tô na estrada pra curtir o visual", chegamos a passar da entrada da vinícola, que fica praticamente num "curvão". Sua construção (duas belas edificações na beira da estrada), nos chamou a atenção pela singela beleza dos traços e por sua interação com a paisagem. Vimos que se tratava de uma vinícola familiar e consideramos se seria interessante tentar chegar lá de supetão... Fizemos um "retorno-quase-bandalha" mais adiante, em local seguro na estrada, e voltamos para "bater palma" ao pé da porta: "Ô de casa!”...

A visita foi rápida. Não tínhamos tanto tempo como gostaríamos. Ademais, havia o inconveniente de ser um dia de semana e de a vinícola não estar esperando visitantes. Apesar disso, fomos muito bem recebidos pela jovem Letícia Cristofoli que, àquela hora, como nos explicou, estava trabalhando no manejo das uvas na adega (e, pelo visto, "pegava pesado", pois chegou esbaforida e com manchas da fruta pela roupa). Letícia nos falou um pouco sobre a história dos fundadores e nos ofereceu provas de seus vinhos (que apenas um de nós bebeu, já que estávamos de carro); explicou sobre algumas uvas (sobretudo a Sangiovese) e a produção etc. Foi uma boa prosa. Na ocasião, compramos um Cabernet Sauvignon, um Moscato de Alexandria e um Sangiovese. Este último foi, então, uma gratíssima surpresa - que confirmamos juntos ao abrir em casa!

Em janeiro de 2015 decidimos voltar à vinícola (encantados que havíamos ficado com a primeira experiência e desejosos de repor algumas garrafas na nossa pequena "adega"). Dessa vez fizemos tudo certo: agendamos uma visita com almoço harmonizado! Infelizmente a casa só agenda almoço para grupos de, no mínimo, 8 pessoas. Éramos apenas 5 (dois casais e mais um menino, filho do casal amigo) mas, por sorte, um outro grupo pequeno tinha interesse para a mesma data e a Dona Maria Cristofoli fez um magnífico almoço para todos nós!

Nesta recente ocasião fomos recebidos pela enóloga da família, Bruna Cristofoli, que mostrou as parreiras da propriedade e nos levou até o galpão - a vinícola - com gigantescos tonéis de inox onde a uva é processada. Ali, explicou sobre a produção e nos serviu um "mosto de uva" delicioso. Uma bebida com graduação alcoólica inferior a 1% e que muito se assemelha a um suco de uva (só que muitíssimo mais saboroso e perfumado) e que, segundo a Bruna, é um ótimo regulador intestinal (devendo, portanto, conforme bastante enfatizado por ela, ser apreciado com moderação). A jovem enóloga é muito espontânea, risonha e à vontade. Entre informações históricas, dados técnicos e números de produção, falava das galinhas do vizinho, da maneira como as pessoas convivem ali, contava de viagens feitas à Itália etc... Uma moça muito carismática!

Dali, o grupo foi conduzido ao espaço onde o almoço seria servido. Tudo estava maravilhoso! De se comer rezando! De entrada, salada verde, queijos colônia e pães caseiros (entre eles, a mais macia e saborosa focaccia de alecrim que provamos até hoje!), tudo acompanhado de um espumante da casa, devidamente apresentado pela enóloga e brindado por todos à mesa. Crianças e motoristas presentes brindaram com suco de uva. Em seguida foi servido o bigoli (macarrão) com molho de salame fresco: simplesmente delicioso! De lamber os beiços! Um prato simples, mas de sabor inigualável! A essa altura também já nos tinham servido o Moscato de Alexandria, leve e delicado, e o Sangiovese! Por fim o prato que, quando servido à mesa, causou um sonoro "hummmm" entoado em coro por todos os visitantes: o franguinho com sálvia mergulhado na polenta mole! Deu água na boca só de lembrar! Tudo muito saboroso! Bebidas à vontade: quem gostou mais do espumante, repetia o espumante, quem gostou de tudo bebia e repetia de tudo... De sobremesa, foram servidos o Moscatel e um sagu ao vinho com morangos. Não cabia mais nada, mas quem poderia resistir?

Saímos de lá muito satisfeitos e felizes! De pança e alma nutridas pela simplicidade do "bem-receber", do prosear, pela comunhão à mesa, pelos pratos de causar suspiros profundos, pelos vinhos delicados, pela graça quieta e tímida no sorriso da Dona Maria Cristofoli, que nos preparou tão maravilhoso almoço e ficou o tempo todo ali (com ajuda da Letícia) cuidando para que tudo saísse perfeito!... Uma experiência que desejamos repetir outras muitas vezes!

Os vinhos

Dois vinhos da Cristofoli nos agradam bastante. Os já citados Sangiovese e Moscato de Alexandria.

Este último é um vinho muito leve e delicado. Fresco e aromático. Ótimo para quem vive em cidades de clima mais quente, como é o nosso caso...

Já o Sangiovese foi o vinho da casa que mais nos agradou já na primeira vez que lá estivemos. É um varietal da uva de mesmo nome. Varietal (para os recém-chegados ao mundo dos vinhos) é aquele vinho feito a partir de um único tipo de uva. Sem mesclas. Difere de um blend ou corte (ou, ainda, assemblage) - termos que explicamos sucintamente nesta postagem.

A Sangiovese é uma uva italiana. "De nascença"! Está presente na composição dos mais famosos e emblemáticos vinhos italianos, como o Brunello di Montalcino, os Chianti, e mesmo alguns Super Toscanos, ou seja, pode-se dizer que é a uva que confere "identidade italiana" aos vinhos italianos! Pouco comum ainda aqui no Brasil, passou a ser cultivada pela família Cristofoli por iniciativa de Duílio Cristofoli¹ (da segunda geração da família já nascida aqui).

Claro, sabemos que o "sabor" de uma uva e tudo que ela "empresta" ao vinho que se faz a partir dela será fortemente influenciado pelas características geológicas e climáticas, pela composição do solo, pelos ventos, pela incidência de sol, pela umidade do ar, pela proximidade ou não do mar etc, do local onde ela é cultivada (o famoso terroir!). Portanto, não podemos esperar que uma Sangiovese cultivada em terras brasileiras venha a apresentar as mesmas características para a elaboração de um vinho que uma Sangiovese cultivada na Itália. Da mesma forma que na própria Itália cepas de Sangiovese cultivadas em regiões distintas apresentarão características distintas.

Mas, daí, alguém poderá se perguntar: a Sangiovese cultivada em terras brasileiras, então, perdeu sua "alma italiana"?

Digamos que ela, aqui, tenha assimilado certas características do nosso clima, do nosso chão, sim, mas que, assim como aquelas famílias de imigrantes que chegaram ao Brasil e aprenderam a falar português sem abandonar sua língua materna, a Sangiovese também preserva o seu sotaque.

Mas... voltando ao nosso tema! Os vinhos da Cristofoli apresentam um fator que consideramos muito importante, principalmente em se tratando de produção brasileira: ótimo custo-benefício! A Cristofoli pratica preços muito acessíveis para vinhos de muito boa qualidade.

Acreditamos que sejam vinhos simples (na melhor concepção da palavra), jovens, prontos, fáceis de beber e que descem macio... Acompanham bem momentos simples, como uma comidinha feita em casa num domingo despretensioso com as pessoas que te são mais caras.


É "mais vinho" ou é "mais passeio"?

Consideramos que a Cristofoli é um ótimo "passeio" enogastronômico! Além do almoço (que foi para nós uma experiência maravilhosa), a casa também oferece lanches no parreiral, cursos de degustação e jantares (veja mais informações aqui). Não é “mais vinho” e tampouco “mais passeio” porque sua proposta é ser “mais tradição” e isso é exatamente o que é oferecido aos visitantes de peito aberto a uma experiência mais do que turística e mais do que enológica.

É, sem dúvida alguma, uma ótima oportunidade de fazer um brinde às coisas simples da vida! Elas costumam ser as melhores! 

Tim-tim!

Enocuriosos
(os Enocuriosos são Dagô e Simone)

¹ Conheça a história da família Cristofoli aqui:


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Conheça outra vinícola que visitamos no sul do Brasil aqui.

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