Enocuriosos... Viñas de Chile – Emiliana

Idas e Vinhas

- Falta muito?
- 10 minutos.
- Quero saber a distância, não o tempo. Aliás, vai dar tempo?
- Com certeza não. A menos que passasse alguém de carro e nos desse uma carona...
- Aqui?! No meio do parreiral?! Um carro?!
- É. Eu sei que é improvável...
- Peraí, você está ouvindo isso? Que barulho é esse?

- Parece um furgão... Estamos salvos!
- Não deixa ele passar! Quero dizer... será que a gente tem coragem de pará-lo?
- Vamos descobrir agora...

Quando não há opção as escolhas já estão feitas. Poderíamos mentir e dizer que pedimos carona com a maior desfaçatez, mas a verdade é que o motorista da caminhonete da vinícola é que teve dó de nós e gentilmente ofereceu ajuda. Nossa expressão de cansaço, as mochilas que carregávamos e o caminho a perder de vista devem ter causado comoção. Agradecidos, nos apinhamos na cabine e demos graças aos céus por ter o passeio salvo com aquela ajuda providencial.

Dando sequência a nossa narrativa, o relato de hoje é sobre a visita à viña Emiliana.

Nossa ida à Emiliana estava cercada de bastante expectativa por se tratar de uma vinícola que produz exclusivamente vinhos orgânicos e biodinâmicos. Além disso, seria a primeira vinícola que visitávamos com a possibilidade de realizar degustações acompanhadas de chocolate – o que, além de incomum, soou para nós como algo bastante instigante.

Não vamos nos aprofundar em conceituações porque não possuímos conhecimento estruturado sobre enologia, mas podemos dizer que vinhos orgânicos são aqueles que não se utilizam de agroquímicos durante as diversas etapas de produção; já o conceito de biodinâmico pode ser entendido como o respeito aos princípios da natureza, propondo a produção de artigos agrícolas em alinhamento aos ciclos do sol, lua, planetas e a integração entre os reinos animal, vegetal e mineral (para informações mais detalhadas visite as páginas da vinícola aqui e aqui).

Voltando a nossa narrativa, chegamos à recepção meio que esbaforidos (ou como se tivéssemos caído de um caminhão de mudanças). Olhamos o relógio do salão e finalmente relaxamos – conseguimos chegar a tempo! Fomos muito bem recebidos pelo staff – de forma gentil e descontraída – o que ajudou a nos sentirmos acolhidos. Após deixar nossa bagagem no escritório e recuperarmos as energias com um bom copo de água, fomos a campo.

Nosso guia passeou conosco pelo parreiral e explicou alguns detalhes da agricultura biodinâmica. Aproveitou para apresentar pequenos exemplos tais como a criação de algumas alpacas (vide a foto de capa) que são utilizadas para limpar o terreno de plantas daninhas, porém sem o efeito colateral produzido pelas vacas (pois o peso da alpaca é muito menor e o solo não fica compactado como ocorreria com o caminhar dos bovídeos). Em seguida fomos apresentados também ao conceito dos galinheiros móveis que são utilizados para fazer com que as galinhas d’angola da vinícola possam cuidar de toda a propriedade. Funciona assim: estas aves são predadoras de diversos tipos de insetos potencialmente nocivos ao parreiral. Como elas dificilmente se afastam de sua “vizinhança”, a solução encontrada foi movimentar o galinheiro que está instalado sobre rodas (tal como um reboque) por toda a propriedade de forma que as galinhas possam “trabalhar” em todo o terreno sem se afastar de sua “casa”.

Idas e Vinhas

Ainda no campo, nos intrigou a presença de hélices gigantescas ao longo de todo o vinhedo – muito semelhantes a geradores de energia eólica. Questionamos nosso guia que prontamente nos explicou que aqueles equipamentos eram, na verdade, ventiladores e que são utilizados para impedir a formação de geadas (comuns no Valle de Casablanca em função da entrada de massas de ar muito geladas por conta da proximidade com o mar, entre outras causas). O uso dos ventiladores mostrou-se uma alternativa mais eficiente do que cobrir todo o parreiral com telas (um recurso utilizado em alguns tipos de cultivo).

Idas e Vinhas

Outro ponto que chamou nossa atenção foi a presença de algumas oliveiras junto aos vinhedos. O guia informou que os trabalhadores da viña têm liberdade para produzir azeite e vendem esta produção de forma independente à Emiliana (tanto na loja da vinícola quanto na cidade de Casablanca). Outro destaque do tour foi a visita à horta (orgânica e biodinâmica) que é administrada também de forma independente por todos os funcionários da vinícola – fomos (inclusive) apresentados a uma pequena seção que estava sob responsabilidade do nosso guia. Ah, para ajudar a entender um pouco mais sobre como pode ser aplicado o conceito de biodinâmico, veja esta tabela:

Idas e Vinhas

Trata-se de um calendário de colheita de produtos hortícolas que foi criado tendo como base as fases da lua e as estações do ano (entre outras referências). Cabe aqui uma reflexão: muitas vezes é mais fácil seguir os caminhos da natureza e colher aquilo o que ela nos oferece – entendendo os ciclos da vida e se adaptando a eles – do que “brigar” contra o fluxo e forçar artificialmente uma dominância do homem sobre o meio. Pareceu-nos que seguir essa lógica natural é um dos pilares da agricultura biodinâmica – um princípio de harmonia, respeito e coexistência. Permitir que os trabalhadores usufruam da terra a seu modo é também uma manifestação de respeito e harmonia e um sinal de que a Emiliana deseja se manter alinhada a iniciativas relacionadas à responsabilidade social.

Antes que alguém pense que estamos esquecendo que este é um blog de vinhos, vamos falar da degustação. Após o passeio à pé pelo campo, fomos conduzidos novamente ao edifício principal – mais precisamente a um balcão de degustações com uma grande vista para a área externa. Havíamos agendado o Tour Gê e teríamos apenas que escolher se nossos acompanhamentos seriam queijos ou chocolates orgânicos. O guia sugeriu que cada um de nós escolhesse um acompanhamento distinto, pois assim poderíamos aproveitar os dois tipos. E desta forma fizemos. (Sábia sugestão). Os vinhos degustados seguiram uma “crescente” quanto a leveza e complexidade: Adobe Reserva Sauvignon Blanc, Novas Gran Reserva Sauvignon Blanc, Signos de Origen Carmenere, Coyam e . Os queijos não se destacaram, mas os chocolates orgânicos combinados aos vinhos tintos... sem dúvida foram o ponto alto! Quanto aos vinhos, o Sauvignon Blanc da linha Novas e o Coyam foram o destaque. Curiosamente (não sabemos se em função da safra ou pelo estágio de amadurecimento) o pareceu-nos menos interessante que o Coyam.

Idas e Vinhas

Acreditem ou não, neste mesmo dia ainda teríamos que almoçar em um restaurante próximo e seguir para nossa terceira e derradeira visita. Sendo assim, nos municiamos de uma garrafa de Coyam e outra de Signos de Origen Syrah (temos uma preferência assumida por esta casta) e partimos novamente a pé para nosso próximo destino ainda no Valle de Casablanca.

É "mais passeio" ou é "mais vinho"?

É mais vinho. Embora seja possível visitar boa parte dos vinhedos e conhecer o conceito de equilíbrio ambiental da propriedade (o que foi, para nós, uma experiência enriquecedora), o fato é que a linha de produção da Emiliana não está instalada nesta propriedade e isso limita a possibilidade de focar um pouco mais nos aspectos da produção pós-colheita. Fomos muito bem atendidos e a degustação foi conduzida de forma muito profissional, mas ficou aquele gostinho de “quero mais”. Dos vinhos provados guardamos uma boa impressão do e do Coyam – algo que já seria esperado. Tendo como referência o custo X benefício, recomendamos a aquisição de ao menos uma garrafa de Coyam.

¡Salud!

Enocuriosos
*fotografias de Dagô e Simone.

Para entender melhor o começo desta história, veja o relato de nossa visita à Veramonte aqui.

Obs.: Se você pretende visitar a Emiliana, mas não tem interesse em passar antes na Veramonte, pode pegar um ônibus para Casablanca no Terminal San Borja (Santiago) e, ao ingressar no veículo, pedir ao motorista para descer na estrada, em frente à vinícola (logo após o pedágio da Ruta 68). Como não há uma parada de ônibus “oficial” neste local, pode ser necessário ir até Casablanca e de lá retornar em um táxi – não é tão longe assim.

Gostou dessa postagem? Nossa segunda viagem ao Chile começou aqui.

Se quiser conhecer um pouco mais sobre a Emiliana, não deixe de ler o relato sobre a degustação conduzida por Ana Cristina e Alexandre na Bardot – Vinhos e Arte.

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